15/02/2007

Fragmentos da amizade

O que liga uma pessoa a outra é o sentimento denominado amizade, um dos mais sublimes que o ser humano possui. Ela é densa, e abordá-la de forma crua, como tentarei neste texto, é algo deveras complicado.

É algo difícil de se obter, pois pede desinibição, risco. É também, difícil de cultivar, pois exige atenção e disposição. É extremamente difícil de se solidificar, pois isso demanda entrega incondicional, e como todos sabem, as pessoas temem o novo, detestam se sentir fragilizadas, baixar a guarda, mesmo que seja para outra que lhe deseja o bem e somente o bem. Eu sou assim, você provavelmente também o é.

Vemos a amizade de maneira superficial, e só damos o verdadeiro valor que ela merece quando somos abatidos por alguma perda, não só em virtude da morte, mas de circunstâncias mundanas que, de um jeito ou de outro, suave ou abruptamente, nos separam de quem amamos. Verdadeiras amizades são escassas, raríssimas. Assim o são por serem extremamente frágeis, e também por necessitarem de um tempo enorme para serem construídas. Muitas pessoas passam durante nossa existência, duas ou três ficam para a eternidade.

Confiança, confiança e confiança. Esta é a base, e explica o porquê da amizade ser tão delicada. E isso é paradoxal, pois ao mesmo tempo em que ela é dura como um diamante, pode ser quebrada de moro irreparável, tal qual um cristal, pelo mais simples dos atos. Não tolero traições, de qualquer espécie. Dependendo do grau da traição, e de quem me trai, não tolero e não perdôo. Vou além: de grande amigo, colega ou conhecido, passo a encará-lo como desafeto, e mesmo que isso seja ruim, contamine minha alma e traga más vibrações, detesto-o. O tempo, às vezes, consegue remediar essa cólera interna; todavia, não levanto um dedo para ajudá-lo. O traidor não merece, não mesmo. Prefiro meu espírito podre do que passar a mão na cabeça de quem cuspiu em meu apreço, em minha consideração.

Sou de poucos amigos, sempre fui, e isso não me incomoda. Pelo contrário, eu adoro ser assim. Seletividade. Antes cinco leões, do que quinhentas ovelhas. A analogia se encaixa perfeitamente no contexto. Já tive colegas, amigos, grandes amigos de um ou dois anos. Amigos de verdade, pouquíssimos. O ser humano é muito corruptível para merecer confiança irrestrita. Na dúvida, não arrisco.

Uma das partes fundamentais da vida humana, e tão esquecida nos dias de hoje, o amor que nutrimos por nossos amigos é fundamental para nossa harmonia e prosperidade.

Não viemos sós, definitivamente. Não nascemos para sermos sós.

Talvez, o que falte na vida ainda seja conseguir manter os laços da infância, ou cultivar mais boas relações com nossos vizinhos, ou ainda, ser mais espontâneo na hora de presentear ou receber um presente. Amigos sabem quando serão amigos. Pois compartilham momentos dão força, Estão sempre lado a lado, Nas conquistas, nas derrotas...

Nas horas boas e nas difíceis. Amizade nem sempre é pensar do mesmo jeito. Mas abrir mão de vez em quando. Amizade é ter um irmão que não mora na mesma casa. É compartilhar segredos, emoções. É compreensão, é diversão.

É contar com alguém sempre que precisar. É ter algo em comum...
É não ter nada em comum...É não ter nada em comum mesmo...É saber que se tem mais em comum do que se imagina.

É sentir saudade...
É querer dar um tempo...
É dar preferência...
É sentir um ciúme...

Amizade que é amizade nunca acaba. Mesmo que a gente cresça. E apareçam outras pessoas no nosso caminho. Porque amizade não se explica. Ela, simplesmente existe.

Um amigo não divide apenas a gasolina: Divide lembranças, crises de choro, experiências, divide a culpa, divide segredos. Um amigo não empresta apenas dinheiro. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas para festa. Te leva para o mundo dele, e aceita conhecer o seu. Um amigo não passa apenas cola. Passa com você um aperto, passa junto o reveillon...

Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado. Um amigo não segura a barra, apenas.
Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o
tranco, o palavrão, segura o elevador.

Existem pessoas em nossas vidas que nos deixam felizes pelo simples fato de terem cruzado o nosso caminho. Algumas percorrem ao nosso lado, vendo muitas luas passarem, mas outras apenas vemos entre um passo e outro. A todas elas chamamos de amigo. Há muitos tipos de amigos.

Talvez cada folha de uma árvore caracterize um deles. O primeiro que nasce do broto é o amigo pai e o amigo mãe. Mostram o que é ter vida. Depois vem o amigo irmão, com quem dividimos o nosso espaço para que ele floresça como nós. Passamos a conhecer toda a família de folhas, a qual respeitamos e desejamos o bem. Mas o destino nos apresenta outros amigos, os quais não sabíamos que iam cruzar o nosso caminho. Muitos desses são designados amigos do peito, do coração. São sinceros, são verdadeiros. Sabem quando não estamos bem, sabem o que nos faz feliz...
Às vezes, um desses amigos do peito estala o nosso coração e então é chamado de amigo namorado.

Esse dá brilho aos nossos olhos, música aos nossos lábios, pulos aos nossos pés. Mas também há aqueles amigos por um tempo, talvez umas férias ou mesmo um dia ou uma hora. Esses costumam colocar muitos sorrisos na nossa face, durante o tempo que estamos por perto. Falando em perto, não podemos nos esquecer dos amigos istantes, que ficam nas pontas dos galhos, mas que quando o vento sopra, aparecem novamente entre uma folha e outra. O tempo passa, o verão se vai, o outono se aproxima, e perdemos algumas de nossas folhas. Algumas nascem num outro verão e outras permanecem por muitas estações.

Mas o que nos deixa mais feliz é que as que caíram continuam por perto, continuam aumentando a nossa raiz com alegria. Lembranças de momentos maravilhosos enquanto cruzavam o nosso caminho. Simplesmente porque: Cada pessoa que passa em nossa vida é única. Sempre deixa um pouco de si e leva um pouco de nós. Há os que levaram muito, mas não há os que não deixaram nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente de que duas almas não se encontram por acaso.

Um comentário:

Marta Joseline disse...

Lindo texto. Adorei!!