06/03/2007

Esperança

A esperança é mais um sentimento que uma idéia, uma vez que não necessita de um fundo racional concreto nem de uma lógica aprofundada e articulada. É basicamente oriunda de nossas percepções pessoais circunscritas ao nosso círculo de ação. Mesmo assim, pode-se considerar que é ela que constrói o mundo, que realiza lares, que consagra e consolida pessoas e idéias: acima de tudo, é a esperança que nos impede de fugir da linha contínua , da corrente de nossas obrigações e responsabilidades. Talvez a esperança seja uma forma de fé: uma religião abstrata, que pode ser preenchida por nossas convicções intelectuais, nossas vontades políticas, nossos deuses e doutrinas. Por isso, pode-se dizer que a salvação das coisas e o alívio das dores está na esperança: porque a nossa razão não apreende nossa fome de vida, deixando-nos deslocados do que realmente interessa, algo particular de cada um, difícil de ser percebido.

Por mais cético e rigoroso que eu venha a ser, sei que meus esforços não podem extinguir as esperanças, nem de mim, nem de quem me cerca. A esperança é espécie de apêndice do coração e da alma, uma extensão de nosso corpo que comporta as dores violentas e os dramas devastadores de nossa existência humana. É uma miopia intelectual grave imaginar que não se tem esperança alguma; é uma miséria espiritual tremenda acreditar que todas as soluções estão em nossas mãos e em nossa mentes: em nosso difícil tarefa de buscar a realização pessoal e se conhecer não podemos abrir mão de nossos artifícios, nem podemos ter a presunção de encarar a metralha da guerra de peito aberto, Somos o nosso oponente mais difícil, e devemos crer em nós mesmos, mas de modo algum devemos acreditar que em nós está a saída. O melhor a fazer é buscar nesse vasto mundo o elixir de novidades que pode satisfazer nossa sede de vida e conhecimento.

Por mais que nem todas as saídas estejam em mim, em eu mesmo, as esperanças estão todas em mim, estão no próprio sujeito, tal como escreve Terêncio. As esperanças surgem quando a realidade não poder ser enfrentada com armas visíveis e declaradas, e temos de minar os esforços da adversidade com o que temos de melhor: a ousadia e genialidade de colocar o destino em francos termos, e bater com toda a força, nas ideologias, idéias e filosofias que nos circunscrevem a ingratidão eterna. Devemos correr, impetuosamente, entre as lascas da realidade e os lapsos de nossa memória corroída.

Simplesmente, a esperança é uma forma de manter nossa integridade, quando nossos olhos não podem ver nada além de uma cascata de sal, lágrimas e fogo, quando nosso coração só consegue gritar as heresias das paixões malfadadas e quando nosso corpo, cansado, tem de pagar as contas da existência, nem que seja oferecendo as vísceras e o sangue. Ter esperanças é inerente ao ser humano, é o mais perto que chegamos dos planos superiores da existência: Nietzsche disse que somos uma corda sobre o abismo atada entre o animal e o super-homem (talvez Deus), e imagino que a esperança é a parte mais perto da criatura divina, uma forma de mostrar que dentro dos nossos nervos, sangue e músculos de impuros humanos, há um pequeno resquício de luz e de pureza conduzindo sonhos.

Essa luz da esperança me cega, fazendo com que eu caminhe, desnorteado e incorruptível, em busca de ares melhores, pois eu, como todo ser humano, tenho fome de vida e devo pagar as contas da minha existência em nome da realização pessoal, buscando o autoconhecimento.

Nenhum comentário: