18/04/2007

Mudanças

Mudança: esta é uma palavra que provoca à maioria das pessoas um sentimento de aversão e desconforto imediatos, antes mesmo de saberem se é uma mudança boa, má ou mesmo irrelevante.

Tudo em nossas vidas está sujeito à mudança: o amor, o trabalho, a saúde, a liberdade, a paz, a sanidade mental, a própria vida. Na realidade, todos nós gostamos de imaginar a nossa vida como algo de estável, algo que nos ajude a "esquecer" a "vulnerabilidade e consequente mortalidade" inerentes à nossa condição de seres humanos. Ninguém gosta de pensar que a nossa vida possa mudar totalmente de um dia para o outro de forma completamente imprevisível (ou pelo menos pouco previsível) destruindo muito do que amamos ou a que, pelo menos, estamos habituados... Quase ninguém gosta de pensar que, para se morrer, a única condição necessária e suficiente é estar-se vivo.

Paradoxalmente, tudo o que existe no mundo está em constante movimento e em constante mudança (o próprio movimento levaria por si só à mudança). Mesmo o interior da matéria e o Cosmos (o infinitamente grande e o infinitamente pequeno) estão em constante movimento e em constante mudança, provocados pela contradição latente em tudo no Universo: cada coisa (mesmo a mais simples) resulta sempre de um equilíbrio instável de duas naturezas opostas (simplificando poder-se-ia dizer que essas naturezas são o Yin e o Yang, mas o problema é mais complicado que isso...) mas que no fundo são a mesma coisa (ex: a nossa componente evoluída e a nossa componente primitiva). O Universo é dual (embora, quase parece ridículo afirmar isto, ele seja também Uno... isto ilustra as duas naturezas de tudo o que existe, até a natureza do próprio Universo no seu todo). É pois desta contradição latente em tudo que se nutre o movimento, o eterno devir, e tudo o que existe é resultado dele (da mudança). O homem, enquanto parte integrante do Universo, não pode fugir a esta regra fundamental. Tudo o que conhecemos começa a desaparecer a cada dia que passa, a própria cidade onde vivo já não é a que eu conheci quando era adolescente.

No entanto, cada mudança - qualquer que ela seja - embora traga em si novos perigos e desafios, encerra sempre também novas oportunidades. Talvez encerre em si até a chave do nosso sucesso futuro, ou até da nossa sobrevivência. Na realidade, o nosso crescimento interior depende totalmente dela. Não foi um cataclismo à escala planetária (destruição maciça provocada pela queda de um meteoro gigantesco) que acabou com a era dos dinossauros e abriu a via a era dos mamíferos, pelo que permitiu o aparecimento do ser humano? Não irá outro cataclismo das mesmas proporções (que acontecerá mais tarde ou mais cedo, numa escala de tempo geológica) ter também consequências benéficas? A mudança é inevitável. Como é dito numa citação: "Nada perdura a não ser a mudança''. Não temos portanto grande escolha: ou nos adaptamos ou pagamos o preço (alto) da nossa inadaptação. É óbvio que há sempre um risco a cada mudança. A nossa adaptação pode não vir a ser a melhor, algo pode ruim pode ocorrer, pode nos escapar qualquer coisa, mas, se não fizermos nada para nos adaptarmos à mudança o risco é ainda maior. A mudança traz sempre implícita em si duas coisas: um perigo e uma oportunidade, seja ela a oportunidade para crescermos, para amarmos, para nos realizarmos ou até para ganharmos dinheiro. O maior perigo na vida é nunca estarmos preparados para correr riscos e colher as oportunidades que deles surgem.

Para sermos capazes de aprender com a mudança e a aproveitarmos em nosso benefício, temos que ser capazes de encará-la como uma coisa importantíssima, natural e vital na nossa vida, deixando de lado a velha atitude de medo e de rejeição que só serve para deixarmos cair os braços aceitando como uma derrota algo que poderia tornar-se num sucesso ou pelo menos numa lição de vida. Afinal, esconder a cabeça como dizem que a avestruz faz, não resolve nada. A mudança é muitas vezes inevitável mas pode quase sempre ser controlada, sempre e quando não nos recusemos a compreendê-la nem nos refugiemos em atitudes derrotistas. Algumas mudanças são agradáveis mas, mesmo aquela mudança que provoca um autêntico drama na nossa vida, pode ensinar-nos qualquer coisa desde que sejamos capazes de extrair as conclusões corretas e de as incorporarmos à nossa vida, tornando-nos assim mais fortes, mais preparados e melhores, aumentando as nossas hipóteses de sucesso (por vezes mesmo de sobrevivência). Ainda que a dor dela perdure por semanas, meses ou anos até que finalmente se caia no esqueçimento total. Mas até lá é uma grande batalha interna dentro de nós, se vamos sobreviver ou não, tudo depende de nós mesmos. Há uma frase que li que é assim: '' Só você é você se você não tiver ninguém. É você, só você, quem deve importar''. Faz todo sentido não? Afinal de contas vivemos sozinhos e morremos com as esolhas que fazemos. Também aqui conta muito a atitude de cada um em relação à vida: Há sempre gente para quem a sorte dá um meio sorriso e outros para quem a mesma sorte sorri até demais. A forma "otimista" que certas pessoas têm de encarar a vida faz milagres também na sua adaptação à mudança, permitindo-lhes até tirar partido dela para sua vantagem com uma ressalva: Poucas possuem tal ''sorte'', e por mais que convivam com isso, um dia a vida lhes cobra por tudo aquilo que lhe foi dado.

Sempre houve dois tipos fundamentais de mudança:

1. A mudança na continuidade. Este tipo de mudança é gradual ao longo do tempo o que permite, depois de algum estudo e compreensão do seu mecanismo, fazer previsões sobre dela. Um exemplo é aquela que pode ser bem aceita de forma positiva ou negativa e que provoca grande dúvida se realmente é mesmo aquela resposta.

2. A mudança na ruptura. Este tipo de mudança provoca um corte (uma descontinuidade) profundo com o passado o que dificulta (ou impede) qualquer tipo de previsão sobre ela. Neste caso a mudança afeta de uma forma incômoda a todos ou a algumas pessoas além da própria, os efeitos podem variar e talvez exista um forte senso de inaceitação por parte das pessoas.

Se olharmos para a história, vemos que o primeiro tipo de mudança corresponde às fases (normalmente chamadas de "ouro") em que se encontrou um modelo que funcionava bem e em que as "mudanças", normalmente pequenos ajustes imperceptíveis, são graduais. O problema é que, durante estas fases de bonança, a mudança na ruptura já se encontra em gestação, ganhando lentamente força para irromper numa crise tão brusca como violenta, A palavra "crise" tem uma conotação muito negativa em português mas, para os antigos Gregos que a criaram, significava apenas "decisão". Temos que nos soltar de vez da conotação negativa de "crise" para podermos aproveitar plenamente esses momentos que, apesar de difíceis, são os momentos privilegiados para tomarmos decisões (novos rumos?) muito importantes para o futuro da nossa vida. Como vimos, a mudança traz sempre implícita em si um perigo e uma oportunidade: trata-se no fundo e apenas de decidirmos a favor da oportunidade, evitando o perigo.

Efetivamente, os momentos de tranquilidade são os mais perigosos pois, quando tudo parece bem, temos uma tendência inata para baixarmos as defesas e cairmos no desleixo do "tudo vai bem" abrindo assim as portas à mudança de ruptura. "Não é por que as coisas são difíceis que não somos ousados. É por não sermos ousados que as coisas são difíceis".O segundo tipo de mudança corresponde às revoluções, ou seja, às fases em que o modelo anteriormente encontrado ou situação anterior de equilíbrio deixou de conseguir dar uma resposta cabal às novas realidades que entretanto ela mesma tinha gerado e em que houve portanto uma necessidade de ruptura com o "status quo" passado, para se conseguir encontrar uma solução não "prevista" na anterior ordem estabelecida. Trata-se portanto normalmente de uma falha do sistema devida a incúria, porque a falta de soluções é normalmente devida à falta de previsão. É o resultado do relaxamento e da política do "enquanto as coisas forem desse jeito, prefiro não dizer nada" em que todos nós já caímos em determinada altura da nossa vida.

Há também a mudança de ruptura que é derivada de um acontecimento ou acidente totalmente imprevisível. Em relação a este tipo de mudança cuja génese nos foge ao controle só nos resta tentar compreendê-la e agir sobre ela dentro da menor margem de manobra que ela ainda nos deixa. As fases de mudança de ruptura (revoluções) são sempre duras, atribuladas, assustadoras e causam inúmeras vítimas (inadaptados) mas estão também carregadas de oportunidades imensas à espera de alguém que as saiba aproveitar, é nelas que se reinventa o futuro e são elas que nos fazem sair da preguiça e portanto evoluir, tornando-nos pessoas mais maduras e fortes (o mesmo é válido para um país ou mesmo para o mundo inteiro). É com uma dose de sofrimento, dificuldade e adversidade (moderados) que nós crescemos verdadeiramente: toda a gente conhece a figura do filhinho superprotegido da mamãe que por vezes parece idiota porque tem dificuldades para executar algumas coisas básicas da vida. Não é à toa que no Reino Unido os dois partidos políticos que se alternam no poder são os conservadores (os defensores do "status quo", da tradição) e os trabalhistas (os defensores da "revolução", da inovação), cada um adequado a cada um dos tipos de mudança possível e/ou mais desejável em cada momento. A democracia é uma das formas encontradas para que a mudança seja aparentemente sempre contínua no sentido em que se tenta, através de muitas pequenas mudanças na ruptura (possíveis porque há liberdade de expressão e discussão), evitar as acumulações de energia que levam às grandes mudanças na ruptura a que chamamos revoluções.

As mudanças repentinas, mudanças na ruptura ou "ventos da história", são por vezes tão avassaladoras que o mundo depois delas se torna um mundo, completamente novo. Estes "ventos da história" são também os momentos propícios (e por vezes únicos) para se fazerem certas coisas... Esses "ventos" sopram na nossa vida pessoal bem como sopram a nível de um país ou mesmo a nível mundial e, qualquer resistência que os oponha só lhes aumenta a força. Como dizem os chineses: a arvore só não parte com o vento porque se dobra: se resistisse, partiríase. Para tudo na vida há um momento propício para se levar ao pé da letra mudanças (reformas) e para se iniciarem certas aventuras, tal como um barco à vela aproveita os ventos, as correntes e as marés para se fazer ao mar e navegar. É importantíssimo estarmos bem alerta e sabermos interpretar a direção dos "ventos, correntes e marés da história", para aproveitarmos a sua força e o seu impulso para que seja mais facil atingirmos os nossos objetivos. Como diz o provérbio popular: "Deus ajuda a quem se ajuda". Quando sei cai no meio de um rio, por melhores nadadores que sejamos, nunca devemos nadar contra a corrente porque nos cansaremos e acabaremos nos afogando, o truque é sim aproveitar a força da corrente para irmos lentamente aproximando da margem com o mínimo de esforço.

Assim devemos fazer na nossa vida: É tão difícil a uma pessoa com 20 anos não arranjar qualquer emprego como a mesma pessoa já com 50 anos arranjar algum (as pessoas de "50 anos" que continuaram sempre a se atualizar na sua profissão, que assimilaram uma enorme experiência no ramo, conhecendo tudo e todos, tornam-se pelo contrário profissionais extremamente cobiçados e bem pagos. Vai ser no entanto progressivamente mais fácil arranjar emprego aos 50 anos nos países ditos desenvolvidos até porque a taxa de natalidade é cada vez menor e portanto há cada vez menos escolha), teria sido tão difícil a um imperador romano ter abolido a escravatura como a D. Pedro II, imperador do Brasil do século XIX, ter resistido à sua abolição. Há momentos certos para tudo, fora dos quais tudo se torna mais difícil pois rumamos contra a maré da vida: há uma idade certa para termos filhos, uma idade certa para nos tornarmos independentes dos nossos pais, uma idade certa para nos impormos profissionalmente, etc... Cada uma destas "idades" varia de pessoa para pessoa, mas cada um tem as suas próprias que no fundo conhece muito bem. Há também "ventos súbitos" na nossa vida, que chamamos de oportunidades (únicas ou não), que temos que agarrar ou largar em tempos brevíssimos: Aproveitar as que podem mudar a nossa vida para melhor e rejeitar as outras reside um dos maiores segredos para se conseguir uma vida. Temos que nos preparar portanto muito bem para ser capazes de ler e prever os "ventos" das nossas histórias pessoais e da história do mundo (que estas estão ligadas) para que, quando esses "ventos súbitos" (e cada vez mais imprevisíveis e mesmo inexplicáveis) soprem, não percamos aqueles que nos podem dar um grande impulso na nossa "viagem" e, pelo contrário, rejeitemos prontamente aqueles que nos podem fazer atrasar ou mesmo "naufragar". O problema é que, com a crescente complexidade e rapidez do mundo, os ventos da história (ou devo dizer "os ventos da mudança") sopram por sua vez de maneira cada vez mais forte e imprevisível, em rajadas capazes de fazer desmoronar os "edifícios" que demoramos uma vida para erguer. Isso leva a que seja cada vez mais difícil a tarefa de prever a direção "desses ventos" e logo fazer as escolhas certas. Para isso temos que compreender, da forma mais próxima da realidade possível, para onde estamos indor, para onde queremos ir e para onde vai o mundo: Em toda a sua complexidade. Uma das nossas maiores qualidades que podemos portanto ter é sermos curiosos.

Todas as sociedades (tal como as pessoas) buscam o equilíbrio de maneira oscilante (tal como o equilibrista no arame, que oscila para um lado e para o outro para poder manter-se equilibrado) e tendem para a evolução na continuidade por esta ser muito menos traumática que a "mudança na ruptura" (revolução). Tentam-no tanto que por vezes se cristalizam em modelos anacrónicos incapazes de dar resposta às necessidades das pessoas. Tudo isto é igualmente verdade quando falamos de nós enquanto indivíduos. Na nossa ânsia por "estabilidade" somos muito tentados a ver o mundo de forma estática ou mesmo "cristalizada". Ou somos conservadores ferrenhos ou "progressistas" igualmente fanáticos em todas as situações, quaisquer que elas sejam: discutimos as coisas com base em teorias e lugares comuns que nos impregnaram e sobre os quais pouco ou nada refletimos em relação a esse caso particular. São "receitas" que tentamos aplicar a toda e qualquer situação e que estamos dispostos a defender até à exaustão não só por pura teimosia mas, principalmente, para que toda a visão que temos do mundo não caia por terra.

Cada um de nós constrói uma espécie de "mapa" mental da realidade, que ajuda a interpretar o mundo em que vivemos. Esse "microcosmos" nunca corresponde à realidade ("macrocosmos") visto que é impossível a qualquer ser humano entender toda a enorme complexidade do mundo. O que sim há é "microcosmos" mais aproximados ao "macrocosmos" e outros menos (para não falar dos que estão tão divorciados da realidade que são considerados "patológicos"). Será dizer que quanto mais este "mapa" se aproximar da realidade, quanto mais menos memorizado for, mais fácil será evitarmos as escolhas da vida e melhor poderemos aproveitar as oportunidades que a vida nos oferece. Cada mudança dá-nos a possibilidade de "preencher" inteiras zonas do "mapa" que ainda estavam em branco e de corrigir os muitos erros (muitas vezes grosseiros) do "mapa" existente. Se assim procedermos durante a nossa vida, podemos ter a esperança de virmos um dia a ter um bom "mapa", é por isso que as pessoas sábias têm sempre uma certa idade, a tarefa é dura e demorada. Esta é a visão de conjunto que nos permite tomar as decisões estratégias da nossa vida. Porém, ela age também sobre o nosso dia-a-dia, ensinando-nos a viver melhor, sem desejos em vão de glória ou de tantas coisas que verdadeiramente não necessitamos, sem competições com os outros. Por isto devemos refletir muito bem e tentar compreender a mudança em toda a sua amplitude. Depois devemos recebê-la decididamente de braços abertos mas que por um certo tempo ficarão cruzados até decidirem se abrir.

Como diz o provérbio: "Pensar devagar. Agir com rapidez''.

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